Projeto Cerradão: iniciativa ambiental vai restaurar 200 hectares em Niquelândia

50 hectares serão destinados ao sistema agroflorestal, com foco em frutíferas do Cerrado

Produtores da Coopeag Niquelândia recebem incentivo para o plantio de mudas nativas do Cerrado. Recursos são utilizados para otimizar os viveiros e investir na produção familiar, como mel e panificados (foto: Antônio Oliveira)

A COOPEAG, acaba de lançar, em Niquelândia, um projeto de restauração com mudas nativas, que busca restaurar áreas degradadas no município. O Projeto Cerradão – Conservação e Restauração é uma iniciativa da Cooperativa Agroecológica dos Produtores Familiares de Niquelândia, que tem como gestor o Fundo Brasileiro para a Diversidade (FUNBIO), e como patrocinadores a Petrobras e BNDES, vai restaurar 200 hectares em pequenas e médias propriedades, com mudas nativas do Cerrado.

Já há alguns anos os cooperativistas, paralelamente às suas atividades da produção agroecológica familiar,  desenvolvem a produção de mudas nativas para restauração. Agora, com o incentivo de importantes instituições, os produtores têm condições de expandir seus viveiros, aumentando e acelerando a capacidade de produção de mudas, bem como de profissionalizar seus empreendimentos enquanto produtores familiares.

Suely Alves de Oliveira da Silva, cooperada da COOPEAG como produtora familiar de pães e biscoitos, é uma das viveiristas do projeto. A panificação representa boa parte da renda familiar, para além do salário que Jair da Silva Santos, seu marido, recebe como guarda noturno. Entre as quase 3 mil plantas que Suely cultiva no quintal de casa, ela conta com exemplares de mutamba, jatobá, copaíba e gonçalo. ““Ajudar na recuperação do Cerrado tem sido muito útil para mim, para todos nós, né? Estamos no risco de ficar até sem água por causa das árvores que foram destruídas. É muito bom participar da reconstrução do Cerrado!”, se orgulha.

Cerca de 45 km dali, no povoado de Muquém, Ana Paula Ramos Barbosa, produtora de mel e associada da cooperativa, é outra viveirista que aposta na recuperação da mata nativa para o desenvolvimento da produção familiar.  “Temos o tamboril, pau-formiga, mutamba, mirindiba, jatobá. Todas são espécies nativas do Cerrado e usadas para reflorestamento. Hoje, temos cerca de 3 mil mudas no viveiro, com um total de 12 variedades de espécies e temos capacidade de ampliação para chegar a 10 mil mudas, possivelmente.”

Ana Paula participa das atividades de restauração da cooperativa há pouco mais de dois anos, mas é cooperada desde a fundação da COOPEAG. “A cooperativa tem ajudado muito na minha vida e na vida dos meus filhos. Através do fomento do projeto das mudas, estamos ampliando o negócio do mel”

Com o leque de saberes e a sensibilidade adquirida ao longo da vida em contato com o Cerrado, Ana Paula adaptou técnicas de germinação para a sua realidade, assim como otimizou o cultivo, dando prioridade a sementes que se adaptam melhor ao microclima gerado dentro do viveiro. “Existem espécies mais resistentes que, quando vão para campo, resultam em menos perda, então buscamos investir nelas”, explica Ana Paula.

Germinação otimizada

Semeadura de Cajuzinho-do-Cerrado no viveiro de Ana Paula, no povoado de Muquém (foto: Antônio Oliveira)

As sementes vêm das matas ao redor. Os coletores buscam as sementes na mata. Algumas são colhidas do chão, outras exigem um pouco mais de empenho, e os coletores precisam derrubá-las de cima das árvores. Segundo Suely, a coleta acontece de julho a setembro. A escolha é criteriosa: as matrizes, ou seja, as árvores que darão origem às novas mudas, são escolhidas a dedo, priorizando as mais robustas e de saudável aparência

A quebra de dormência, técnica empregada para ampliar as chances de germinação das sementes, é uma etapa importante e que precisou da dedicação de Ana Paula e Suely, para que os viveiros se desenvolvessem. Suely explica que algumas sementes precisam passar por um processo de “molho” em água, que varia de 3 a 5 dias, para auxiliar no beneficiamento das sementes do Cerrado, tão robustas quanto as árvores retorcidas que delas surgem. 

“Quebra de dormência foi uma barreira bem difícil no começo, porque o viveiro não oferece as condições naturais de germinação da floresta. Então, fomos adaptando a quebra de dormência, melhorei algumas técnicas”, exemplifica a apicultura. O jatobá é um exemplo disso. Ela desenvolveu uma técnica de banhos alternados em água morna e gelada, o que facilitou e aumentou a taxa de sucesso de germinação.

Em condições naturais, o processo de germinação levaria até um ano para acontecer, enquanto que no viveiro o processo é otimizado para poucas semanas através de técnicas como estas. O Projeto Cerradão conta com suporte técnico, fornece insumos para a produção, e ainda oferta capacitações para toda a população, na área de manejo integrado do fogo, prestação de serviços ambientais e capacitação em restauração. Os treinamentos estão previstos para acontecer em diversas regiões do Município.

Geração de renda para comunidades tradicionais

Seu Jair exibe as mudas do viveiro que mantém com a esposa Suely (foto: Antônio Oliveira)

A doutoranda em Agronomia pela UFG, Rhyllary Coelho, que também é coordenadora do Projeto Cerradão – Conservação e Restauração, fala sobre os impactos dessa iniciativa na comunidade local. “O objetivo principal é fomentar o cooperativismo, fortalecer a nossa cooperativa e essa cultura do cooperativismo na cidade, e também fortalecer os agricultores familiares e as comunidades tradicionais que estão por trás desse viveiro, produzindo essas mudas.”

Além de fomentar a produção de mel através do incentivo do Projeto Cerradão, Ana Paula já começou a aprimorar o viveiro com a instalação de uma caixa d’água e um sistema de irrigação. Ela conta que, em Muquém, o fornecimento de água não é regular e que o investimento é necessário para garantir a manutenção da produção das mudas nativas. 

“A apicultura ainda é uma atividade um pouco cara em termos de manutenção. Esse projeto fomenta a minha produção e a minha capacidade de estruturação do apiário. As mudas são passageiras, mas o meu negócio vai continuar. Tenho 10 enxames atualmente, então falo que estou no comecinho, ainda estou aprendendo”, brinca. 

Já Dona Suely faz planos para as próximas remessas de mudas: além de investir em infraestrutura do seu pequeno negócio de panificação, quer também começar a trabalhar com estoque de matéria prima, para desenvolver a produção e atender melhor a demanda da clientela. “Vamos profissionalizar o negócio de biscoitos”.

A coleta e a produção de mudas é feita pelos cooperativistas, já o plantio será feito por intermédio das associações quilombolas locais. “A gente tem uma atividade que é geradora de renda, sustentável, renovável e que serve para fazer a manutenção da vida dessas pessoas que estão em suas propriedades, assentados da reforma agrária, agricultores familiares, as comunidades tradicionais, que são aquelas pessoas que realmente estão ali conservando o Cerrado, preservando o Cerrado. Então a partir do momento que a gente fortalece essas pessoas, a gente está garantindo também a preservação do Cerrado e a manutenção do Cerrado em pé”, exemplifica Rhyllary.

Produção familiar

Ana Paula (de laranja) e os filhos, Rhyllary Coelho, Manoel Júnior e Cleber Lino, da Coopeag Niquelândia (foto: Antônio Oliveira)

Aos 43 anos de casados, Suely ainda se emociona ao citar o apoio do marido em seus projetos. “Ele sempre está junto. É firme! Sozinha eu não daria conta. É muito importante ele me ajudar, porque com a ajuda dele a gente consegue plantar mais”. Ela conta com o apoio do marido na produção das mudas e lembra que quando iniciaram no projeto eles não tinham experiência. “Existem estudos para isso. Os meninos da cooperativa ensinaram, a gente plantou e tem dado certo! Já produzimos de 2600 a 3 mil mudas até o momento.”

Na casa de Ana Paula são os filhos que dão o suporte necessário para o desenvolvimento do apiário e do viveiro. Segundo a mãe de João e da pequena Maria, a lida com as plantas trouxe mais união para a família. Para ela, o viveiro proporciona um tempo de qualidade com propósito. “O fomento que a gente recebe, a renda extra, é muito bom. Mas o papel que a gente desempenha ao longo desse processo, é um trabalho muito bonito. Quero deixar o ensinamento para a minha família, que os meus filhos continuem a produzir mudas, independente de projeto.”

Desafios e oportunidades

Niquelândia é o maior município do Estado, em extensão territorial, o que já se apresenta como o primeiro grande desafio do projeto, que é liderado por Rhyllary Coelho e por Manoel Júnior, produtor agroecológico e presidente da COOPEAG. Os mais de 9 mil quilômetros quadrados de Niquelândia dificultam o monitoramento do avanço do agronegócio sobre o Cerrado. 

As estradas, majoritariamente de terra, limitam o escoamento das mudas para regiões mais recônditas, principalmente pela falta de pontes que, muitas vezes, isolam comunidades rurais inteiras.

“Existem algumas coisas que a gente consegue fomentar, por exemplo, a compra de mudas, compra de sementes. Mas, e as estradas para escoar as mudas? A gente ainda é muito limitado pela falta de apoio do poder público”, frisa Rhyllary Coelho.

O viveiro de Suely já produz cerca de 3 mil mudas nativas (foto: Antônio Oliveira)

Manoel Júnior explica que, do total de 200 hectares a serem restaurados, em 50 serão aplicadas técnicas de sistema agroflorestal, focado no plantio de frutíferas do Cerrado, fortalecendo ainda mais o cooperativismo local.

“Além de restaurar o Cerrado, produzindo água, ar limpo, nós também estaremos produzindo comida em abundância e comida de verdade, sem veneno, sem agrotóxico. Todo o lucro que esses agricultores obtiverem pela comercialização dessas mudas, nós iremos investir na produção de comida agroecológica, que é o grande foco da nossa cooperativa, onde utilizaremos o pequi, a mangaba, o bacupari,” diz Manoel Júnior.

A produção em sistemas agroflorestais é desafiadora até mesmo para a experiente dupla de agroecólogos. Manoel salienta que não há um modelo pronto de como desenvolver o sistema, por isso é importante que cada região, cada comunidade, faça as adaptações necessárias, de acordo com a própria realidade.

“Para as nossas viveiristas, para os nossos coletores de sementes do Cerrado, essa é uma grande oportunidade. O nosso objetivo é manter o Cerrado de pé. Com o Cerrado de pé, nós conseguiremos produzir água, produzir chuva, fortalecer o nosso povo – que hoje sofre com tanto desmatamento, com tanta poluição”, conclui o líder comunitário.

Cachoeira São Bento, Muquém (foto: Antônio Oliveira)

Como participar?

Os produtores rurais, proprietários de pequenas e médias propriedades, que tenham áreas desmatadas que precisam ser restauradas, e que não possuam ativos ambientais, ou seja, multas ambientais, podem entrar em contato com a COOPEAG, de segunda a sexta, das 9h às 12h e das 14h às 19h, e aos sábados, das 8h às 11h.


A Cooperativa Agroecológica dos Produtores Familiares de Niquelândia está localizada na Av Brasil, Nº 310, SALA 03, Bairro Valparaíso, Niquelândia – GO. O telefone para contato é o (62) 99635-1664. Acompanhe também através do Instagram da COOPEAG e do Projeto Cerradão.

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